Professora Morre com Contracheque

A professora Lucrécia Rufina da Silva, 62 anos, morreu ontem, após receber um tiro no peito, deflagrado pelo policial José Sinfrônio, 34.

Lucrécia saía de uma clínica na Alameda dos Cochechês. O policial, confundindo-a com uma foragida do 110º CP (Zona Oeste) ordenou-a que erguesse os braços. A professora, surda de um ouvido, entendeu que se tratava de um simples pedido para apresentar um documento de identificação; então, abriu a bolsa para pegar a identidade. O policial, acreditando que Lucrécia iria apanhar um revólver, atirou contra ela.

Após a professora ter tombado no chão morta, sua bolsa foi revistada pelo militar, mas o que ele encontrou foi apenas a mão de Lucrécia segurando o contracheque de pagamento. Não havia arma alguma.

Em nota publicada à imprensa, a direção da Secretaria de Segurança afirmou que exames de balísticas comprovaram ser da arma de Sinfrônio o tiro que matou a professora. “Agora, ele passará por inquérito administrativo, e, se for o caso, poderá ser julgado no fórum comum”, conclui a nota.

A família da professora disse que vai até as últimas instâncias judiciais para que o policial seja punido. “Do mesmo modo que é inconcebível um médico cometer um erro, pois está colocando em jogo a vida de uma pessoa, um policial não pode falhar nas atividades inerentes ao seu trabalho. Um erro pode ser fatal, como foi com a professora Lucrécia. Iremos fazer tudo o que estiver ao alcance da lei para que o senhor José Sinfrônio seja rigorosamente punido”, declarou Porfírio Silveira, advogado contratado pela família da professora.

No velório, houve muita indignação. Segundo colegas de Lucrécia, ela, realmente, tinha uma deficiência auditiva provocada pela exposição contínua ao excesso de barulho no ambiente de trabalho. Eles afirmam também que a professora morta tinha bursite e estava se tratando de cistos nas cordas vocais. “Ossos do ofício do professor. Pode entrevistar os professores aqui presentes e você irá constatar que todos eles têm ao menos uma doença causada pelo trabalho em sala de aula”, desabafa Joana Farias, que leciona na mesma escola que Lucrécia ensinava. Joana aproveita para registrar que muitos educadores sofrem violência dentro da própria escola.

Já para Petrônio, também professor, o problema é muito mais amplo do que se imagina. Segundo ele, o Estado está negligenciando os setores essenciais da sociedade, ou seja, saúde, educação e segurança. O professor disse que o policial errou, de fato, mas o militar seria apenas mais uma vítima de algo bem mais complexo e devastador: “Eu acredito nos policiais, nos médicos, nos professores. Só não tenho esperança no sistema público como um todo. É o sistema o maior vilão dessa história”.

O momento surpreendente do velório foi quando José Sinfrônio apareceu sem temer a revolta das pessoas presentes. Ele parou diante da própria vítima. Após alguns segundos de silêncio, chorou como uma criança e disse: “Eu não queria matá-la. Só depois percebi que ela não era quem eu estava procurando. Meu Deus, como eu pude confundi-la com uma criminosa! Tirei a vida de quem me ensinou. Matei minha ex-professora”. (Texto de Valdeir Almeida)

Este é um texto fictício. Qualquer semelhança com lugares, nomes, pessoas e acontecimentos reais terá sido mera coincidência.

3 comentários:

  1. Muito bom seu texto.
    Vim retribuir suas visitas e comentários feitos no meu blog.

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  2. Nossa, Valdeir!

    Puxa! Umá ótima crônica, mas...tão dramática. Desculpe. É que sou professora, fiquei imaginando a professora, com problema de audição...mas acredito mesmo que já vi um filme semelhante. Pq a pessoa não ouvia.

    Obs.: vale comentário depois de tanto tempo que o testo foi postado, né?

    Até mais.

    Lena

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  3. Lena,

    Comentários são bem-vindos sempre. Independentemente do tempo em que o texto foi postado.

    De fato, o texto é dramático, mas foi uma forma de eu chamar atenção. Além disso, esta é a realidade de muitos professores da rede pública de ensino. Os governantes não permitem que tenhamos boas condições de trabalho; isso associado a baixos salários vira uma bomba relógio pronta a explodir.

    Obrigado por comentar. Dei uma olhada rápida em seu blog através do Dihitt. Mas irei viajar calmamente nele depois. Ok?

    Abraços.

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