Ode aos Cães

Eu disse para meu interlocutor ao telefone: “Pois é! Jamais imaginei que aquele nosso colega fosse fazer algo tão vil contra mim. Ele é um cachorro”.

Naquele momento, meu dog alemão levantou as orelhas bruscamente e inclinou a cabeça para mim. Tive a impressão de que ele entendeu o que eu acabara de falar. Diante daquela cena, fui acometido por um intenso remorso. Mal me despedindo do meu amigo, desliguei o telefone e passei a refletir sobre aquela situação.


Os cães não costumam agir falsamente. Quando não gostam de alguém, respondem imediatamente com rosnadas, rangidos de dentes, mordidas. Se sentem afeição, fazem o que for possível para manifestar esse sentimento, mesmo que o destinatário do carinho tenha sua roupa manchada com as patas do animal.

O ser humano, por sua vez, carrega na própria essência a característica da traição. Em razão da sua capacidade de pensar, ele pode orquestrar planos funestos contra seu semelhante.

É justamente por isso que somos um dos assuntos mais discutidos nas conversas entre cachorros. Certamente costumam desenvolver explanações sobre nosso comportamento complexo. Não é por outro motivo que quando um cachorro foge à regra da própria espécie, aparece outro para alertá-lo: “Você está parecendo gente, meu amigo. Cuidado! Não traga esse vírus pra cá”.

Aprendi a lição. Não chamarei mais os calhordas de cachorro. E o meu dog alemão, enquanto suja minha calça com suas carinhosas patas, agradece.

2 comentários:

  1. Valdeir, gostei do seu texto, mas você poderia enriquecê-lo com abordagens sobre o preconceito lingüístico que a mulher ainda sofre. Por exemplo, utiliza-se a palavra “cachorro” para designar homens sem caráter; mas se essa palavra fosse usada no feminino (“cadela” ou “cachorra”), era para chamar a mulher de prostituta.

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  2. Já estou cansado dessa história de dizer que só a mulher sofre discriminação na língua. ‘Cachorro’, no seu sentido figurado também é pejorativo, significa um homem que trai uma pessoa ou que vive à toa (cachorro sem dono).

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